Entre os pensadores da educação que, na virada do século 19 para o 20, contestaram o modelo de escola que existia até então e propuseram uma nova concepção de ensino, o belga Ovide Decroly foi provavelmente o mais combativo. Por ter sido, na infância, um estudante indisciplinado, que não se adaptava ao autoritarismo da sala de aula do próprio pai, Decroly dedicou-se apaixonadamente a experimentar uma escola centrada no aluno, e não no professor, e que preparasse as crianças para viver em sociedade, em vez de simplesmente fornecer a elas conhecimentos destinados a sua formação profissional.
Decroly foi um dos precursores dos métodos ativos, fundamentados na possibilidade de o aluno conduzir o próprio aprendizado e, assim, aprender a aprender. Alguns de seus pensamentos estão bem vivos nas salas de aula e coincidem com propostas pedagógicas difundidas atualmente. É o caso da ideia de globalização de conhecimentos - que inclui o chamado método global de alfabetização - e dos centros de interesse.
O princípio de globalização de Decroly se baseia na ideia de que as crianças apreendem o mundo com base em uma visão do todo, que posteriormente pode se organizar em partes, ou seja, que vai do caos à ordem. O modo mais adequado de aprender a ler, portanto, teria seu início nas atividades de associação de significados, de discursos completos, e não do conhecimento isolado de sílabas e letras.
Os centros de interesse são grupos de aprendizado organizados segundo faixas de idade dos estudantes. Eles também foram concebidos com base nas etapas da evolução neurológica infantil e na convicção de que as crianças entram na escola dotadas de condições biológicas suficientes para procurar e desenvolver os conhecimentos de seu interesse. "A criança tem espírito de observação; basta não matá-lo", escreveu Decroly.
O conceito de interesse é fundamental no pensamento de Decroly. Segundo ele, a necessidade gera o interesse e só este leva ao conhecimento. Fortemente influenciado pelas ideias sobre a natureza intrínseca do ser humano, preconizadas por Jean-Jacques Rousseau (1712 - 1778). Decroly atribuía às necessidades básicas a determinação da vida intelectual. Para ele, as quatro necessidades principais são comer, abrigar-se, defender-se e produzir.
Escolas são Oficinas
A marca principal da escola decroliana são os centros de interesse, nos quais os alunos escolhem o que querem aprender. São eles também que constroem o próprio currículo, segundo sua curiosidade e sem a separação tradicional entre as disciplinas. "Hoje se fala tanto em interdisciplinaridade e projetos didáticos. Isso nada mais é do que os centros de interesse", diz a professora Marisa del Cioppo Elias. Os planos de estudo dos centros de interesse podem surgir, entre as crianças menores, das questões mais corriqueiras.
Da necessidade de comer pode decorrer o estudo dos alimentos, da história de seu preparo, dos mecanismos econômicos da agricultura e do comércio, etc. Para os estudantes, os centros de interesse se estruturam como oficinas. As atividades manuais - entre elas os jogos e brincadeiras - têm destaque especial. Os exercícios, ao ar livre e em grupo, são estimulados. Decroly criticava a supervalorização do trabalho intelectual e da expressão verbal. "A escola (tradicional) engorda fisicamente e entorpece mentalmente", escreveu.